Uma semana. Mesmo andando de beje e escolhendo os locais menos frequentados, mais cedo ou mais tarde eu sabia que ia esbarrar com um conhecido que iria, gentilmente, perguntar sobre a minha vida. Desespero.
Compreeendam: nada contra as pessoas. Mas a idéia de ter que racionalizar e verbalizar as diretrizes da minha existência em poucas palavras não só reabre questões antigas como cria problemas que, antes, não existiam. Um simples “e agora, quais sãos os seus planos?” pode ser uma pergunta de elevador para quem faz, mas costuma chegar como uma bofetada para quem ouve.
Vale dizer que nem sempre foi assim. Acho que, sei lá, até os 17 anos, qualquer pergunta que me fizessem envolvendo verbos no tempo futuro descambava numa longa resposta sobre projetos mirabolantes e pretensiosos. Não sei quantas vezes entreti meus interlocutores discursando com chavões de “basta querer”, “desbravar o mundo”, “influenciar o senado” e outras pérolas que só uma jovem pedante poderia soltar. Acho que nunca irritei ninguém a sério por que devia ser até divertido assistir àqueles rompantes megalomaníacos fervorosos. Aliás, acho uma irresponsabilidade isso: deixar a criatura falar o que bem entende até os 20, mesmo sabendo que ela passará o resto da vida pagando a língua. Deviam incluir entre os ritos de passagem juvenis – como as aulas educação moral e cívica, vestibular, auto-escola – também umas lições de coerência-e-auto-imagem. Se alguém tivesse me avisado logo que eu era só uma adolescente típica e banal que não nasceu com uma estrela na testa, eu teria avançado, sei lá, umas dez casinhas no jogo da vida.
O fato é que, na hora de sair do País das Maravilhas, a coisa complica. Depois de ter passado dez anos com cara de sei-fazer-chover-mas-agora-não-quero, você arranja um emprego, uma casa, uma rotina absolutamente ordinária e qualquer pergunta corriqueira de “o que tem feito da vida?” num corredor de shopping termina em gastrites súbitas e horas de divã. Se você virou embaixador da Unicef, é guitarrista profissional e mora num trailler sem endereço fixo, ótimo, a pergunta te cai bem. Mas se você é só um dito cidadão respeitado que ganha quatro mil cruzeiros por mês, pronto, pode vir, dá a mão, a tia mari te entende, pode crer.
Às vezes eu fico me perguntando por que esse tipo de crise existencial atinge, não só a mim, mas à maioria dos meus amigos. A verdade é que quase todo mundo fala mal do emprego, do chefe, do serviço, é tão normal reclamar que eu fico me questionando se os nossos trabalhos são mesmo tão ruins ou se, lá no fundo, a gente acredita que foi predestinado a atividades superiores. Não tem escritório acarpetado que baste para quem tinha a fórmula do sucesso no bolso, gente, tudo seria mais fácil se, lá pelos nossos 15 anos, alguém tivesse sentado num banquinho e avisado logo: “olha, meu bem, sabe isso aí que você tá pensando? Pois é, gata, não vai rolar”.
Se este ato caridoso não salvasse a minha vida, pelo menos me poupava do constrangimento de descobrir sozinha. Ou das frequentes perguntas bem-intencionadas lançadas feito bombas de gás pimenta em recintos fechados que me obrigam a gaguejar qualquer coisa sem sentido até alguém abrir a porta do elevador e eu sair correndo.
Costumo escapar com vida. Embora o meu dia, é claro, esteja perdido.
Me sinto igualzinha…
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